Influenciar ou “des-influenciar”? O papel dos criadores de conteúdo no turismo consciente

Viajar já não pode ser só ir buscar inspiração a fotografias perfeitas. Neste artigo questiono o papel dos bloggers e influenciadores de viagem nos desafios do turismo dos nossos dias e proponho novas formas de comunicar destinos: mais conscientes, autênticas e responsáveis. Afinal, devemos influenciar… ou des-influenciar?

Num mundo cada vez mais orientado pelo digital e pelas redes sociais, nós, bloggers de viagem, assumimos um papel relevante na forma como os destinos são promovidos e consumidos. Com uma fotografia bem tirada ou uma descrição envolvente, um lugar desconhecido pode facilmente tornar-se numa coqueluche turística com filas, drones e poluição sonora. Mas quando é que o acto de influenciar se transforma num risco para os próprios destinos e comunidades? E poderá, quem influencia, também aprender a “des-influenciar”?

O paradoxo da influência

A ascensão do marketing de influência tem vindo a revolucionar a forma como o turismo é promovido. Marcas e entidades turísticas apostam em criadores de conteúdo para chegar a audiências segmentadas e gerar o desejo de consumo. O blogging de viagens, em tempos baseado em textos longos e relatos pessoais, cedeu lugar aos posts leves, à rapidez das stories e à fotogenia do Instagram. Assume-se que o público quer material ligeiro e facilmente digerível, de preferência com mais imagens do que palavras – aliás, as palavras deverão ser usadas essencialmente para captar a atenção e prestar algumas informações.

No entanto, esta visibilidade acelerada tem custos. Todos os dias ouvimos falar de destinos que sofrem com o excesso de visitantes, seja em períodos curtos ou durante todo o ano, o que leva à degradação ambiental, à pressão sobre os recursos locais e à gentrificação. Em muitos casos, a fama é precedida por uma publicação que se tornou viral ou um vídeo que transformou um pequeno recanto em paragem obrigatória.

O overtourism – excesso de turismo para além da capacidade do destino – é um fenómeno que está amplamente documentado em cidades como Veneza, Barcelona ou a nossa Lisboa. Mas não são apenas as grandes urbes a sofrer: pequenas aldeias e reservas naturais são muitas vezes mais vulneráveis, porque têm menos recursos para gerir a afluência de visitantes.

A cultura de consumo instantâneo, amplificada pelas redes sociais, favorece uma relação superficial com os lugares. A experiência transforma-se em performance: uma foto naquele baloiço no topo da serra, um vídeo a nadar numa lagoa de difícil acesso, stories num restaurante da moda. O foco já não é conhecer o destino, mas sim mostrar que se esteve lá. Se for uma selfie, melhor ainda. Há que alimentar o algoritmo com aquilo de que ele mais gosta.

FOMO vs. JOMO: a ansiedade de ver tudo ou a alegria de não seguir a multidão

O FOMO (“Fear of Missing Out”) tornou-se uma das forças motrizes do turismo de massa. Receamos perder uma experiência única, uma foto espectacular, um momento irrepetível. Esta urgência de estar em todo o lado, ver tudo e mostrar tudo pode levar a viagens exaustivas, impessoais, até pouco sustentáveis. A cultura da comparação constante (se os outros estiveram ali, eu também tenho de ir lá) molda escolhas de viagem raramente conscientes. Não é a curiosidade que nos move, mas sim a competição.

Do lado oposto surge a JOMO (“Joy of Missing Out”), uma proposta de reencontro com o prazer de não fazer tudo, de não seguir todos os roteiros nem todas as tendências, de não “ter de partilhar sempre”. Viajar com tempo, com espaço para o improviso e para a contemplação, é uma forma de resistir à pressão de manter a hiperprodutividade quando não estamos num contexto de trabalho. Uma viagem mais lenta e personalizada (ou até mesmo digitalmente desconectada) tem todas as condições para nos trazer maior satisfação.

“Des-influenciar”: um novo papel para os criadores de conteúdo

Influenciar não implica apenas promover marcas ou destinos. Pode significar também abrir espaço para a reflexão, a educação e a consciência crítica. “Des-influenciar” é questionar narrativas estabelecidas, recusar modismos prejudiciais e mostrar caminhos alternativos.

A autenticidade como contraponto ao conteúdo idealizado pode ajudar a mitigar o overtourism, chamando a atenção para os lugares que já estão sobrecarregados e para as desvantagens de os visitar – tanto para o local como para o próprio visitante. Propor alternativas criteriosas a esses lugares poderá ser muito mais benéfico para todos os players envolvidos.

Há criadores de conteúdo que já optaram por assumir esta responsabilidade, evitando divulgar locais sensíveis, falando abertamente sobre os impactos do turismo e partilhando experiências mais autênticas e menos editadas. Recusar a estilização excessiva e optar por conteúdos mais reais e só “meio-perfeitos” pode penalizar em termos de likes ou seguidores, mas ganhar confiança e credibilidade entre públicos mais conscientes. A transparência é um valor crescente, e muitos seguidores começam a preferir a honestidade ao entusiasmo artificial.

Como escrever sobre viagens de forma mais consciente

A forma como se escreve e partilha uma viagem tem impacto. Em vez de usar expressões como “o segredo mais bem guardado”, “um paraíso escondido” ou “é obrigatório visitar”, podemos optar por uma abordagem mais informativa e cuidadosa. É importante revelar que uma fotografia bonita de um lugar icónico muitas vezes não mostra que há turistas em excesso ou lixo no local, ou que o tráfego intenso causa poluição sonora, penalizando a experiência.

Contextualizar é igualmente relevante: apresentar a história do lugar, falar com quem lá vive, perceber as dinâmicas locais. Apontar boas práticas, como visitas acompanhadas por guias locais, apoio a projectos comunitários, consumo em negócios familiares.

Valorizar a experiência em vez da mera fotografia também é um gesto consciente. Relatar sensações, encontros, aprendizagens, evitando a objectificação ou o uso de culturas ou pessoas apenas como “imagem”. Mostrar que viajar não é só acumular carimbos no passaporte, mas sim expandir o olhar e o entendimento.

A ética do Instagram na divulgação dos lugares

O Instagram é hoje uma das principais fontes de inspiração para viagens, mas também um campo minado de dilemas éticos.

O uso de geotags pode levar a uma explosão de visitantes em lugares pequenos e sem estrutura. Há criadores de conteúdo que agora optam por omitir a localização exacta do sítio que fotografaram, ou por usar indicações genéricas como “natureza” ou o nome do país, precisamente para evitar essa exposição.

Filtros e edição fotográfica exagerada criam uma imagem irrealista dos destinos, o que gera expectativas desajustadas e pode levar à desilusão de quem visita o lugar, por um lado, ou mesmo, em última análise, à degradação ambiental – como, por exemplo, quando as pessoas invadem zonas protegidas na ânsia da “foto perfeita”.

A edição é uma ferramenta legítima, mas há que usá-la com critério. Mostrar o lado imperfeito, o tempo que não colabora, as dificuldades ou as reflexões provocadas por um determinado lugar são formas de humanizar o conteúdo.

Destinos alternativos: solução ou novo risco?

A promoção de destinos menos conhecidos tem sido apontada como uma solução para dispersar o turismo e aliviar os locais mais sobrecarregados. No entanto, esta é mais uma abordagem que tem de ser feita com responsabilidade. Não podemos ignorar o risco de, ao “descobrir” e divulgar um local, estarmos a contribuir para a sua eventual sobrecarga turística.

É essencial perceber se o lugar tem condições para receber visitantes, se há benefícios reais para a comunidade, se o tipo de turismo promovido respeita os modos de vida locais. Trabalhar em parceria com autarquias, associações locais ou cooperativas é uma forma de garantir que a visibilidade gera valor em vez de dano.

Através da divulgação de projectos sustentáveis, iniciativas culturais locais ou propostas de turismo de base comunitária, um criador de conteúdos pode ter um papel positivo na valorização de territórios esquecidos.

Menos influência, mais cidadania

Os criadores de conteúdo podem também ser agentes de mudança. Têm voz, têm audiência, têm (algum) poder. Mas com este poder vem também a responsabilidade.

Há quem use esta voz num contexto activista, falando sobre temas como as alterações climáticas, os direitos dos povos indígenas, a conservação da biodiversidade, a equidade no acesso ao turismo. Há quem faça questão de mostrar a complexidade dos destinos, recusando os estereótipos fáceis.

Não se trata de politizar tudo, mas de ter empatia. De perceber que o lugar visitado é a casa de outros. Que o impacto da visita vai para além do momento da partida. E que a forma como contamos essa experiência é parte desse impacto. Inspirar, mas também responsabilizar.

Influenciar com consciência: um futuro para o turismo digital

O futuro do blogging de viagens e da influência digital no turismo está também dependente da capacidade de evoluir. Não se trata de deixar de inspirar, mas de inspirar melhor. De influenciar com cuidado, com escuta, com coerência.

“Des-influenciar” não é desaparecer, é oferecer alternativas. Não é desistir de partilhar, é partilhar com mais sentido. É lembrar que cada publicação é um convite – e que vale a pena pensar bem sobre o local para onde estamos a convidar os outros a ir, e sobre o seu futuro.

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Ana C. Borges
Ana C. Borges

Gosta de passeios longos e conversas intermináveis, de ver o que ainda não conhece e rever os lugares do coração. Fotografa para memória futura. Escreve porque lhe sabem bem as palavras. Viaja por paixão – e porque o mundo é demasiado grande para ficarmos quietos. É autora do blogue Viajar porque sim.

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