Sustentabilidade em viagem e na sua comunicação
Viajar não é inócuo, mas os efeitos que tem em nós e nos sítios que visitamos deviam pender para o positivo. Só que isso não acontece sempre. Na verdade, se não tivermos cuidado, isso não acontece nunca. O número de pessoas a viajar pelo mundo mais do que duplicou nos últimos 20 anos, estando os números oficiais nos 1,4 biliões de pessoas, em 2019. Quanta gente será gente a mais? Depende do tipo de viagens feitas. Apesar do impacto positivo no crescimento económico, o turismo tem contribuído para o aumento das desigualdades e da poluição e para a descaracterização de espaços locais. Do que falamos, quando falamos em sustentabilidade nas viagens? E qual o nosso impacto como comunicadores de viagens nessa sustentabilidade?
A palavra sustentabilidade já se tornou um chavão. É atirada a gosto para cima de tudo, para chamar a atenção, tipo hashtag viral, muitas vezes sem se definir muito bem de que é que se está a falar. Segundo a Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas, “uma abordagem sustentável do turismo significa que nem o ambiente natural, nem o tecido sócio-cultural das comunidades de acolhimento serão prejudicados pela chegada de turistas. Pelo contrário, o meio ambiente natural e as comunidades locais devem beneficiar do turismo, económica e culturalmente. A sustentabilidade implica que os recursos e atrações do turismo devam ser utilizados de forma a que o seu uso subsequente pelas futuras gerações não seja comprometido.”
Trocado por miúdos, isto implica muita coisa. Mas já lá vamos. Ainda antes de chegarmos às comunidades que vamos visitar, podemos já estar a ter um impacto enorme no ambiente, ao apanhar um avião. As emissões de carbono de um único voo excedem à partida o que deveriam ser as nossas emissões totais para o ano todo. O que fazer?
Voar o menos possível
Aquela escapadinha de fim-de-semana? Utilize transportes terrestres. Umas férias de uma semana em que não sai do resort? O Algarve é óptimo para isso. No fundo, é considerar o impacto que a viagem vai ter no ambiente vs o que se traz de realmente positivo dessa viagem. Faz mais sentido voar quando se vai para longe, em viagens mais duradouras em que a imersão com a cultura local pode realmente trazer benefícios para o viajante e para as comunidades. Nesse caso, há ainda pequenos truques que permitem reduzir a pegada.
- Fazer o mínimo de voos possível, ou seja, tentar ao máximo voos directos. O maior gasto de combustível e consequente pegada de carbono está na aterragem e descolagem. Pode ser um pouco mais caro, mas é de consciência que estamos a falar. Isto é válido também para os voos internos, já no destino. Por princípio, é não fazer.
- Escolher classe económica. Os lugares de 1ª classe ocupam muito mais espaço e são mais pesados, aumentando as emissões, por passageiro.
- Viajar com pouca bagagem. Mais peso = mais combustível = mais emissões.
- Escolher companhias com aviões recentes (menos emissões) e com programas de compromisso de redução de emissões e lixo. A AlternativeAirlines é um bom recurso para pesquisa.
Chegados ao nosso destino, não somos os únicos a visitá-lo e o real impacto que temos é medido pelos números a que nos juntamos.Quando abordado numa perspetiva sustentável, o turismo pode ter um impacto positivo na redução da pobreza e na promoção do diálogo e entendimento entre os povos, promover a conservação ambiental e a biodiversidade. No polo oposto, pode contribuir para agudizar as desigualdades sociais, erodir as heranças culturais e os recursos naturais e estimular os estereótipos e desentendimentos interculturais.
Como garantir então que estamos do lado da sustentabilidade?
- Escolher a profundidade em vez da quantidade. Ver menos coisas, num raio mais pequeno, faz com que as deslocações sejam menores, logo, menos emissões. Além disso e mais importante ainda, a possibilidade de interação com as pessoas será também maior quanto mais tempo ficarmos em cada sítio. Como podemos contar histórias reais e transformadoras, se andarmos sempre a correr de um lado para o outro?
- Escolher transportes públicos em vez de privados. Para além de permitir perceber melhor como vivem e se deslocam as pessoas, e logo maior intercâmbio cultural, usar transportes públicos reduz a nossa pegada.
- Sempre que possível, caminhar ou andar de bicicleta.
- Ter ainda mais cuidado com o lixo, o plástico e com o uso dos recursos energéticos que temos em casa. Lá porque estamos de férias, não devemos relaxar naquilo que já devem ser os nossos cuidados em casa. Muito pelo contrário, devemos redobrá-los. Principalmente ao visitar locais mais isolados e/ou que sabemos que não têm sistemas de recolha e tratamento de lixo nem reciclagem e têm escassez de recursos. Isto vai muito além do não usar palhinhas, não deitar lixo para o chão e levar garrafas reutilizáveis. Passa por, activamente, evitar o uso excessivo de sacos e embalagens de uso único e não usar toalhitas que não sejam biodegradáveis. Nos hotéis, não usar os produtos de higiene de uso único, não mudar de toalhas todos os dias, não exigir limpeza todos os dias (pendurar o “não incomodar” ou avisar na recepção), apagar as luzes e ar condicionado quando não estamos no quarto (se possível, evitar o ar condicionado de todo). Tomar duches curtos. Mesmo nos sítios em que as nossas acções possam parecer irrelevantes, face ao comportamento dos outros, podem servir de rastilho a mudanças e gerar conversa em torno do assunto. Principalmente quando nos propomos a comunicar essas acções e fazemos as perguntas difíceis a organismos que nos proponham parcerias.
- Evitar as épocas altas e destinos muito batidos. A concentração de turistas em determinadas épocas não só causa muito mais incómodos às populações locais, como concentra o gasto de recursos e a sobre-população de sítios que, muitas vezes, não estão preparados para essas enchentes. No que toca a comunicação, queremos ser responsáveis por levar ainda mais pessoas a lugares já com turismo a mais? Só porque um destino é popular e nos poderá gerar mais interacção com o público, devemos comunicá-lo?
- Não fazer actividades de interacção directa com animais (vida selvagem). Isto parece óbvio quando nos deparamos com sítios em que vemos os animais maltratados ou acorrentados, mas é válido para qualquer actividade com animais, nomeadamente em sítios que se intitulam como santuários ou “orfanatos”. Na maior parte dos casos, é muito difícil garantir a idoneidade dos lugares e não podemos garantir que aqueles animais não tenham sido “quebrados”, dopados ou retirados ao meio natural, para ali estar. Para além disso, a possibilidade desse tipo de negócio pode levar à criação de novos lugares, que não sejam para a recuperação dos animais, mas sim apenas para a sua exploração. A vida selvagem deve ser observada no seu meio natural, com o mínimo de interacção directa possível.
- Ao visitar reservas naturais, escolher guias e agências locais eco-responsáveis, que demonstrem ter regras e valores instalados, não só para não interagir com os animais, mas que tenham um papel activo na manutenção e regeneração dos ecossistemas
- Em trekking e caminhadas na natureza: Não sair dos trilhos para não perturbar os ecossistemas, trazer todo o lixo de volta (sim, mesmo o papel higiénico!), evitar zonas com muita afluência e usar apenas produtos de higiene biodegradáveis.
- Ao contratar ou fazer parcerias para divulgar agências, tours, escolher hotéis e restaurantes, optar por negócios locais. Assim, garantimos que o dinheiro vai para as populações e não para grandes cadeias, beneficiando não só a economia do país, mas as pessoas mais directamente. Para além disso, a probabilidade de envolvimento real com as comunidades é muito maior. Podendo, é escolher também negócios ou projectos que apoiem um problema específico da zona ou da comunidade envolvente.
- Na escolha dos hotéis, tentar garantir que respeitam regras de trabalho justo e a herança cultural do lugar, para além de sistemas mais respeitadores do ambiente. Por exemplo, não adianta que um resort dito “ecológico” implemente medidas de consumo consciente de água, se ao mesmo tempo representa um grande risco ao modo de vida da comunidade local ao deslocar populações para ser construído ou não dar condições de trabalho dignas.
- Aprender sobre e respeitar os hábitos culturais do lugar. Isto passa não só pelo vestuário, como também pelas relações interpessoais e de género, hábitos à mesa, comportamentos sociais. É muito fácil cair no complexo do “salvador do 1º mundo” e condenar abertamente hábitos e comportamentos que não compreendemos (eu sei que já me vi a cair nessa tentação). Mas, nem nos cabe a nós, visitantes, julgar hábitos muitas vezes milenares, nem os mudaríamos no tempo de uma viagem. O único que poderá sair de uma atitude de julgamento e desrespeito é gerar mal-entendidos e desconforto. Podemos tentar compreender, não concordar e decidir que aquele não é o lugar para nós, mas nunca nos podemos esquecer que somos nós os visitantes.
É certo que todas as nossas escolhas individuais têm apenas um pequeno papel numa indústria que tem crescido desmesuradamente. É necessário que haja uma forte aposta dos organismos de turismo oficiais e dos agentes turísticos no sentido de desenvolver políticas públicas e infraestruturas que permitam a sustentabilidade do turismo. Mas, como viajantes, as nossas escolhas, todas juntas, podem estimular este caminho. Quando o chavão começa a pesar na economia, os olhos viram-se para as possibilidades. Temos é de garantir que as palavras não são vazias e se acompanham de acções concretas. Para além disso, como bloggers e influencers temos um peso e responsabilidade extra na maneira como comunicamos sobre os locais que visitamos, as escolhas que fazemos nesses locais e as parcerias que aceitamos fazer com as agências, turismos oficiais e alojamentos de cada destino. Como visitantes e ao estabelecer essas parcerias, devemos fazer todas as perguntas que nos permitam perceber quais os valores e medidas que cada agente ou alojamento implementa na sua operação, como pretendem organizar as actividades que pretendem promover e ter critérios bem definidos sobre, de acordo com as suas respostas, aceitar ou não essa parceria ou promover um diálogo que permita fazer alterações no sentido da regeneração e sustentabilidade. E, finalmente, depois da viagem feita, o que e como é que partilhamos essas experiências.
Resumindo, proteger o ambiente e a biodiversidade; melhorar as condições económicas da população local e respeitar a cultura e os valores das diferentes comunidades. Todas as nossas escolhas na viagem e na sua comunicação devem ter estes conceitos em mente. Não há soluções perfeitas e todos estamos a aprender, todos os dias. Dar-nos-á algum trabalho extra no planeamento das viagens, na procura das histórias que vale a pena partilhar, na linguagem que usamos para contar essas histórias; provavelmente não sairá tão barato como desejávamos, mas garante que fazemos escolhas conscientes e que o nosso impacto pende para o lado certo da balança.
Recursos
Aqui ficam ainda alguns recursos para conseguir mais informação, gerar pensamento crítico e procurar inspiração e alternativas para o nosso impacto ambiental e social na indústria do turismo:
Rooted – “Uma plataforma de soluções na intersecção de turismo sustentável, storytelling e impacto social. A missão da Rooted é documentar, apoiar, celebrar e compartilhar de forma responsável iniciativas relacionadas a viagens sustentáveis que priorizem as comunidades locais e o planeta – e ajudar outras pessoas a fazer o mesmo”. É uma fonte imensa de artigos e cursos para profissionais do turismo de todas as áreas bem como de informação para viajantes responsáveis.
Adventure.com – “Através da nossa mistura de jornalismo de viagem e aventura, reportagem, perfis, fotografia e opinião, procuramos lançar uma luz sobre métodos mais orientados para as comunidades e conscientes do clima de explorar o mundo, e defender as pessoas, iniciativas e ideias que os estão a tornar possíveis.”
Página e Podcast dedicados a turismo sustentável do The Standard, com a edição da Juliet Kinsman (que é uma referência no tema)
UNWTO (OMTNU em português) – A Organização Mundial do Turismo (OMT) é a agência das Nações Unidas responsável pela promoção do turismo responsável, sustentável e universalmente acessível.
Mongabay – ”Notícias e inspiração na linha da frente da natureza”. Vai muito além do turismo e é uma boa fonte de inspiração para viagens, bem como de relatórios do estado de zonas naturais e projectos de conservação.
‘If you win the popular imagination, you change the game’: why we need new stories on climate (The Guardian)
A Sustainable Future for Tourism Requires Kicking the Bucket (List) (Sustainable Brands)
Retrofit Tourism Better (Tourism Geographic)
Despite COP28’s climate hypocrisy, it taught us more about sustainable travel (The Standard)
Destinations Funding Sustainability Through Tourist Taxes (Travel Pulse)