Escritora distinta e viajante ética: Ruthia Portelinha (entrevista)

A professora e revisora de textos ‘especializou-se’ em viagens com crianças e espera deixar ao filho, seu habitual companheiro de viagem, o legado de um Mundo mais justo, equitativo e menos intrusivo.

Nome: Ruthia Portelinha

Profissão: Professora de chinês e português, revisora de texto

Data de nascimento: 1976

Local de nascimento: Namíbia

Local de residência: Guimarães

Próximas viagens: Irlanda e Angola

Blog: O Berço do Mundo

1. O que significam as viagens para si?

As viagens são aprendizagem, sobre mim, sobre os outros, sobre o mundo. São também uma forma de educar, acredito que viajar com o meu filho fará dele uma pessoa mais tolerante, curiosa e sábia.

O ser humano é um bichinho curioso. Por algum motivo nos lançámos séculos atrás no desconhecido, em frágeis embarcações e sem rotas mapeadas, apesar dos adamastores reais e imaginários. Por algum motivo construímos foguetes para explorar o espaço. Está na nossa natureza procurar, inquirir, experimentar, enfrentar o desconhecido.

2. Entre os destinos que já visitou, há algum que a tenha marcado de forma especial? Conte-nos.

O Egito foi uma viagem que marcou de forma indelével. Era um destino que tinha que conhecer nesta vida. Dizem que altas expetativas vêm, não raras vezes, acompanhadas de grandes desilusões. Não aconteceu. Em parte por causa daquela aura histórica, mítica, de civilização milenar. Mas acredito que ter sido um sonho concretizado durante a lua-de-mel contribuiu para se tornar uma recordação tão querida.

3. O que mais a influencia na hora de escolher um destino de viagem?

Os meus contextos familiar e profissional limitam bastante os planos. A segurança é um fator primordial, uma vez que viajo sozinha com o meu filho, na maioria das vezes. Depois há dois tipos de destinos que me atraem particularmente. Os que têm uma grande riqueza histórico-cultural e os que têm uma beleza natural com menor interferência humana.

4. Já viveu fora de Portugal mais que seis meses? Se sim, onde e o que retirou dessa experiência?

Vivi no Brasil durante cerca de um ano e, nesse período, aprendi o real significado da palavra saudade. O Skype não substitui um abraço. Aprendi também que Portugal é um país magnífico: o clima é bom, a comida é ótima, as pessoas são acolhedoras, há paz, há segurança, há cuidados de saúde. Nem sempre damos o devido valor à nossa realidade nacional.

Para além disso, aprendi que o que nos une, enquanto seres humanos, é maior do que aquilo que nos separa. Todos querem viver em paz, criar os seus filhos em liberdade, partilhar os bons momentos com os amigos.

5. Explique o que é o seu blog de viagens e a razão da sua existência.

O blog nasceu logo após o regresso do Brasil, durante aquele hiato em que sentimos que já não somos bem daqui, mas também nunca fomos de lá. Senti que tinha alguma coisa para contar. Ao mesmo tempo, queria manter hábitos de escrita, algo que sempre me deu muito prazer. Portanto uni dois prazeres, escrita e viagens.

O foco do blog são as viagens com crianças, com alguma ênfase na cultura dos destinos visitados. Porque sou mãe, ratinho de biblioteca e amante de arte.

6. Como surgiu o nome do blog?

Nasci na Namíbia, devido a contingências da guerra, mas cheguei a Portugal com apenas uma semana de vida e ainda não regressei ao lugar onde nasci. Assim, o nome – O Berço do Mundo – é uma homenagem ao continente grandioso que me viu nascer, onde dizem ter nascido a Humanidade. É também o lembrete de que tenho as minhas raízes por explorar.

O facto de morar em Guimarães, o berço da nacionalidade, foi apenas uma coincidência maravilhosa.

7. Destaque um dos posts de que mais gosta no seu blog e explique porquê.

Os posts que mais prazer me deram escrever não são os mais populares. É o caso de “Luanda pelas mãos de Pepetela”, que mistura os lugares descritos na obra do escritor angolano com um roteiro real naquela cidade, ou “There’s no place like home”, onde reflito sobre o sentimento de pertença a um lugar, já que considero Guimarães a minha casa, apesar de não ter nascido aqui.

Outro post que me diz muito, pelo peso emocional, é “Os sorrisos, a bruma que troveja e a pegada da rainha”, porque relata encontros com pessoas simples em Malange, Angola. Que dizer? África mexe comigo.

8. Alguma dica para quem pretende começar agora um blog de viagens?

Não deixem que a pressão por novos conteúdos estrague o prazer de viajar. Conheço bloggers que estão tão obcecados com a necessidade de alimentar o blog, e respetivas redes sociais, que se esquecem de saborear os lugares. Só vivemos uma vez (se acreditam na reencarnação, nada garante que não serão um inseto na próxima vida!!).

Para além disso, usem um corretor ortográfico e escrevam sobre aquilo que gostam.

9. Que papel desempenham os blogs junto de outras pessoas que gostam de viajar?

Cada vez mais as pessoas organizam as suas próprias viagens. Porque é mais barato e não é assim tão difícil, já que a internet facilita muito o processo. Neste contexto, os blogs de viagens surgem naturalmente como fontes de informação e inspiração.

Mas somos mais do que meros fornecedores de informação/inspiração. Temos o dever ético de estimular um turismo mais consciente e sustentável. Viajar banalizou-se na minha geração. A geração do meu filho tem as viagens como um dado adquirido, pode avançar para um turismo mais equitativo e menos intrusivo.

10. Qual é o seu maior sonho por cumprir?

Sabem aquela história de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro? Alguns milhares de amendoeiras, um filho lindo e um calhamaço depois – “A Dimensão Cultural da Integração Europeia. Capitais Europeias da Cultura” tem 333 páginas -, sou uma pessoa realizada.

O plano é ver o meu filho e as minhas árvores crescerem, continuar a ser feliz, viajar quando posso e um dia explorar as minhas raízes. Este sonho ainda não foi concretizado porque merece mais do que uma semana corrida, período que normalmente consigo tirar de férias. Mas sei que a Namíbia está escrita no meu destino.

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Rui Batista
Rui Batista

Apaixonado por pessoas genuínas e lugares improváveis, o jornalista gosta de mostrar o Mundo tal como é. No seu blog BornFreee.

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